terça-feira, 8 de setembro de 2009

Crônica de um pintor

Um belo dia estava tomando café da manhã e arranhando as cordas do meu violão.
A casa vizinha em frente à minha estava vazia de móveis e moradores; cheia apenas de paredes de tinta fresca, um rolo e um pintor.
Com as paredes, a tinta, o rolo, tive apenas uma conversa de repúdio, reclamando do mal cheiro.
Ao pintor, ofereci um café.
Ele agradeceu e começou a me contar histórias, atitude inerente à carência de todo ser humano em justificar sua própria vida.
Quando avistou o violão, seus olhos brilharam e ele me disse ser de seu costume ser músico, músico de grandes músicos.
Já havia tocado até com Gilberto Gil!, quando duma apresentação deste em Floripa.
Contou me até que Gil tinha sido preso por causa de maconha, era uma intimidade só.
Depois o diálogo ficou mais fluído: "Por que você não pega o violão?", "Ah já faz muito tempo..", não tem problema tenta então tudo bem só um pouquinho bom acho que eu tô meio enferrujado --acordes dissonantes-- bom é isso, ah mas eu gostava muito de tocar eu era muito louco bons tempos aqueles.
Creio eu que a memória, sujeita à infalibidade do tempo, seleciona e distorce alguns acontecimentos.
Nesse caso, o tempo turvou a memória musical daquele homem, embora das histórias ele se recordava muito bem.
Aquele era um dia lindo, porque todos os dias são bonitos.
Mas a memória também embeleza, justifica, faz crônicas.

2 comentários:

Tchao disse...

"Ele agradeceu e começou a me contar histórias, atitude inerente à carência de todo ser humano em justificar sua própria vida."

Demais esse trecho!!! É muito interessante essa tendência das pessoas. É interessante perceber isso nos olhares, poucas pessoas não desviam um olhar. É como se sentissem questionadas de uma forma mais profunda por quem a olha bem no fundo dos olhos.

Como se os olhares fossem um questionamento existencial, sem palavras (incosciente)

Gu Pessoa disse...

Caramba Tchão, demais seu comentário.
Eu sinto bem isso às vezes