quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

"A condição insular significa mais do que habitar um território cuja forma geográfica principal é o entorno aquático.
Esta condição parece envolver uma metáfora de ruptura em relação ao exterior que, como sugerem alguns estudos, estimula a busca e, também, contribui para o aperfeiçoamento do sentido de espiritualidade."

Bonnemaison, no livro Uma Cidade Numa Ilha

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

      O Fogo foi o maior presente dado à humanidade.
      Tudo se gerou à partir daquele momento, o primeiro passo de uma evolução ininterrupta.
      Com o fogo, o homem se sentiu seguro pela primeira vez, foi a primeira religião que a humanidade conheceu. A energia do fogo é um atavismo de toda a humanidade, é uma energia de segurança ancestral, é a energia mais antiga que o homem reconhece. Não por acaso; o fogo acalenta, reúne pessoas, aquece o corpo e o coração. Foi assim desde a primeira vez, desde quando possivelmente um raio caiu em um pedaço de madeira e colocou fogo no pau, e é assim até hoje. Toda a história da humanidade está no fogo, aconteceu por causa do fogo, uma tocha olímpica que nunca se apagou.
       Na Revolução Agrícola, na mudança de hábitos alimentares, na ascensão e queda de impérios, no surgimento das religiões, dos santos, na Filosofia, nas navegações, nas revoluções industriais, na revolução francesa, na revolução americana, nas viagens espaciais, no Movimento Hippie, na Revolução Sexual, no Existencialismo, na internet, em tudo sempre houve o fogo, e enquanto existir humanidade terá Fogo.
        Após dias de caminhada, o Homem-caverna estava faminto, sem alimento, não conseguia caçar e não encontrava frutas ou quaisquer vegetais comestíveis. Açoitado pelo sol escaldante e pela fome, não encontrava tranqüilidade às noites de Lua Nova, sem abrigo, sozinho, após ter assistido todos os seus semelhantes morrerem de fome e de loucura.
         Ao passar dos dias, ele pressentia tempestades se aproximando, e o Céu acinzentando lhe trazia maus presságios. Os dias começavam a ficar escuros, inseguros; as noites, tenebrosas.
         Querendo morrer, desejando se desintegrar no próprio desespero, por fim encontrou uma caverna para se abrigar no final de tarde. Ensandecido, mal reparava na mistura de cores maravilhosas que proporciona o crepúsculo nublado.
          Sentou-se para descansar e por um breve momento pode sentir o descanso nas pernas, o aconchego das rochas.
          O sol se pondo rapidamente, o dia escurecendo, os trovões soando ao longe, os relâmpagos inserindo flashes de medo no assustado homem na caverna.
          Por fim, quando a escuridão se apossou de tudo, e só o que ele via eram fotogramas da realidade fotográfica dos relâmpagos, a tranqüilidade de estar ali sentado, imerso no escuro das cavernas, e sabendo que lá fora não haveria nada mais do que tempestades e escuridão, o medo voltou a assolar o andarilho.
          Sozinho no mundo, ele começou a chorar; lágrimas que vinham do seu interior, do seu instinto de sobrevivência, que sabia, por intuição, nada a se fazer havia naquele momento: ele morreria, independentemente da sua vontade, da vitalidade humana de buscar vida aonde ela existe.
            Então, quase inconsciente, arrastado por uma osmose de escuridão, ele migrou para aonde havia os relâmpagos, que mesmo intermitentes, eram os únicos momentos de lucidez que havia para um ser humano naquelas condições.
           Então aconteceu. Claro que todos sabem, aquilo não passou de menos de um segundo, mas ao Capitão-caverna, toda sua eternidade se resumiu àquilo.
           Um raio atingiu uma árvore que estava ali perto, e aquele espetáculo luminoso de um galho explodindo e toda a copa da árvore ardendo em chamas, foi o mais extraordinário já experimentado por qualquer ser humano.
           Ali, contudo, foi o fim da inocência humana. Se houve uma expulsão do Paraíso, foi aquele momento singular.
          Então o homem do fogo acercou-se da árvore, como se fosse a última coisa que pudesse fazer na vida, e sentiu a vida daquela luz, o calor, a proteção.
           Juntou vários galhos em chamas e fez a primeira fogueira. Ali cruzou as pernas e ficou hipnotizado pela desordem da luz ardente, por horas extático defronte ao fogo.
           Quando recobrou a consciência, percebeu que mesmo a chuva não acabava com aquilo; percebeu também que quando jogava mais galhos, a chama fraca se transformava em forte com apenas um estalar dos galhos.
           Pela manhã, lembrou-se que não sentia mais fome e tampouco necessidade de companhia: estava completo.
           Dias se passaram com aquele homem sob a chuva apenas olhando para o fogo.
          Quando sentiu fome de novo, levou consigo uma tocha, e entendeu que aquela luz poderia acompanhá-lo aonde fosse, nos lugares mais longínquos e escuros, e essa alegria era muito maior do que quando encontrou alimentos no caminho.
          Ao retornar ao local de onde saíra, sentiu outro júbilo ao perceber que o fogo ainda estava lá, e não podia entender tamanha confiança.
          Passados mais alguns dias, finalmente começou a sentir uma determinada solidão, parecia precisar de alguém, um outro ser humano com quem pudesse dividir a presença magnífica daquele júbilo e daquela chama.
          Foram dias de solidão e de jejum, de desejo intenso de encontrar alguém, apenas olhando para o fogo, que estranhamente, não importasse qual fosse o sentimento do homem ou a hora do dia, continuava ali crepitando e ardendo silenciosamente, sem gritar ou se calar.
          Passadas algumas semanas, o homem do fogo sentiu uma pancada em sua nuca, algo que o fez cair de costas no chão, e apesar de desorientado conseguiu enxergar um grupo de semelhantes antes de receber um último golpe de pedra na face e abandonar seu corpo ali mesmo naquele momento.
           Como o momento em que viu surgir o fogo, aquele segundo foi outra eternidade dentro da sua eternidade. Ali terminara de compreender tudo. O fogo lhe trouxera calor, acalento, luz, comida, e enfim, pessoas. O fogo lhe dera tudo que pedira um dia. Era uma alegria imensa saber que outros compartilhariam daquele sentimento, mesmo ele não estando mais ali para apreciar com os próprios olhos, morria sabendo que não era o único a conhecer aquela estranha luz.
            Os semelhantes estavam observando aquela luz havia muito tempo. Enquanto o homem-fogo saía para encontrar alimento, se arriscaram até a chegar perto, mas nunca com a mesma reverência e confiança do primeiro. Um dia armaram-lhe a emboscada, após terem descoberto como ele manipulava aquela luz. Assustados, não tiveram outra escolha senão arriscarem-se por si próprios.
            Exaltados, cada um muniu-se de uma tocha, e erguendo-as até o céu sentindo pela primeira vez a vertigem do poder, ignorando que os raios provêm da terra e não das nuvens, levaram aquela luz para as guerras, para as igrejas, para as revoluções.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Então eu chamei a mim mesmo, invocando os deuses da trepadeira. Quando comi a semente entrei no desconhecido de mim mesmo.
Olhei no espelho, e o espelho em si era eu mesmo.
Começou, meu corpo estatelado no colchão e a minha mente voando por cima de si.
Senti medo e pedi a ajuda de um velho sábio, e foi nesse momento que tudo se inundou de luz.
O gozo veio e se apoderou de mim; eu aguardava, pacientemente, extasiadamente, eretamente, uma mulher entrar pela porta e fazer um filho comigo ali mesmo.
Ela não veio, então os pensamentos começaram a pairar e sobrevoar tudo que até então não estivera ali.
De repente entendi, eu gay, era como Cazuza e morreria de Sida.
Como eu não tinha percebido aquilo antes? Era tudo tão óbvio, e todos pareciam saber menos eu, como o marido traído, só eu ainda não percebera que era uma bixona, e isso estava na cara mas eu não podia ter olhado daquela forma ate então.
Como tudo e passageiro, tudo passou, ate que recebi a noticia da morte de meu pai.
O mais duro de aceitar, mas a realidade é implacável e não havia como fugir disso também; já havia aceitado muita coisa desde então, e essa barreira estava ali como um muro.
Deixei que ela caísse sobre mim, para que eu me levantasse por debaixo dos tijolos e continuasse a jornada.
Percebi que muitos cairiam sobre mim, e o meu papel era apenas deixar que eles caíssem, para que por debaixo dos escombros eu surgisse empoeirado mas cristalino.
Depois que meu pai morreu, comecei a iniciar o meu treinamento, porque agora soube que seria um mestre, desses em quem as pessoas buscam apoio.
Comecei a minha árdua jornada por não sei quais caminhos, mas eu me preparava e logo seria um Mestre.
Achei que tudo havia terminado, tentei me levantar, que agora já sabia o que fazer, terminar minha caminhada rumo a maestria, cheguei a sentar no colchão, mas meu corpo embriagado e mole, pesado, me puxou de novo, e disseram, "Calma, ainda tem mais."
Uma voz gargalhou. Eu olhei, envergonhado, e ela continuava. Hi hi hi hi.
Ha ha ha ha ah...
"Então ta meu rapaiz, você e um pai órfão tarado gay aidético e mestre, hi hi hi hi hi".
Uma voz que eu reconhecia muito bem, que não era a minha mas veio de alguém com o mesmo nome, me apontava e dizia:
"Você acredita no que você quiser Joãozim.
Você acredita no que você quiser Joãozim.
Você acredita no que você quiser Joãozim.
Você acredita no que você quiser Joãozim.
Você acredita no que você quiser Joãozim.
No que você quiser Joãozim"... e assim a voz ecoou dentro de mim por tempos e tempos.
Achei que o momento do fim estava iminente, mas faltava a revelação final.
A última das vozes, a definitiva, a que saiu de todos os muros derrubados, e depois de limpada a poeira, era ela que dizia: “Você é homem cara, ouviu, você é HOMEM”. Quando enfim consegui me levantar.
Tomei um copo d’água, morrendo de sede depois de horas chapado extaticamente em um colchão, e sentia cada gota fluindo por meu corpo, a água caindo no estomago, sendo absorvida e virando sangue.
Fui tomar banhos e por horas só conseguia rir porque, como há muito não sentia, eu estava lá.