sexta-feira, 24 de julho de 2009

Walt Whitman


Quem é que vai por aí
aflito, místico, nu?
Como é que eu tiro energia
da carne de boi que como?

O que é um homem, enfim?
O que é que eu sou?
O que é que vocês são?

sábado, 11 de julho de 2009

Di´s por di(ideias)

Di Melo, músico brasileiro, soul, funk, fantástico
http://www.mediafire.com/download.php?5vj0s9zmajz

Glauber ROcha no enterro de Di Cavalcanti - DI Glauber
parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=p7GegIT-yBM
parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=ncOEfuz6GxE

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Ensaio sobre Alphaville

Em determinado momento do livro A Câmara Clara, Roland Barthes questiona sobre a validade de suas teses sobre a Fotografia, pelo fato de elas serem essencialmente subjetivas e demasiado peculiares.

Ignorando todas as teses que lera anteriormente sobre a Fotografia, dizendo que elas não davam conta das suas sensações a respeito de uma determinada foto(a do irmão de Napoleão), ele chegava recorrentemente a conclusão de que deveria voltar a olhar para a tal fotografia, pois as referidas teorias(estéticas, sociológicas), eram por demais insuficientes.

A obstinação de Barthes, segundo ele, devia – se ao fato de ele querer estender essa individualidade extrema às ciências do sujeito, para que elas alcançassem uma generalidade sobre o conhecimento do sujeito que não o reduza a uma simples teoria reducionista.

A meu ver, este simples excerto obstinado de Roland Barthes acerca da Fotografia é um libelo contra o empirismo lógico tirano herdeiro do positivismo do século XIX.

O ressurgimento da utilização do pensamento racional pelo homem europeu se deu por volta do século XIII, com o advento do pensamento escolástico de São Tomás de Aquino, apropriado pela Igreja Católica para a formação de suas Universidades.

Contudo, foi no século XVIII que esse pensamento se viu livre dos dogmas religiosos, permitindo que a razão se direcionasse para outros aspectos, não se limitando a um pensamento que justificasse o Reino de Deus.

Esse período histórico é chamado de Iluminismo. Foi um feiche de luz que se acendeu na História europeia. Dominada pelos dogmas religiosos e acossada pela eterna espera do Apocalipse, a cultura milenar do chamado Velho Continente foi salva pelos sábios iluministas.

René Descartes, além de toda a sua filosofia, deixou a frase(que em sim já contém toda uma filosofia) que simboliza este momento do pensamento que nos acompanha desde então, Penso, logo existo.

O homem existe porque pensa, é homem porque pensa, pensa para poder existir.

Revolucionário e inovador no século XVIII, o pensamento racional se tranforma na regra geral no século XIX, sendo levado às últimas consequências em vários extremos. Neste século, há todo tipo de pensamento, de Nietzsche à Allan Kardec, Auguste Comte, até a poesia cósmica de Walt Whitman.

O positivismo de Auguste Comte, é uma obssessão empírica por tudo o que pode ser provado através de experimentos científicos que exclui como verdade impreterivelmente tudo o que não o for. Desta forma, a ciência vem carregando inconscientemente(pois considera – se o positivismo uma filosofia morta e ultrapassada) este cancro, cuja frase de Barthes satiriza com uma ternura despercebida.

O positivismo, carregado através das décadas, foi indiretamente influenciante para aberrações como o nazismo e o sionismo, duas faixas do pensamento humano completamente contrárias entre si.

Retardados pelo empirismo positivista, os seres humanos só conseguiriam sair desse estado entorpo com o pensamento de Freud(oriundo, é verdade, do positivismo) e com as Vanguardas artísticas do início do século XX, que buscavam entre outras coisas, liberar o instinto recôndito ao Homem no mais íntimo de si mesmo.

Mas a História é uma marcha dialética que caminha a idas e vindas, e a ciência, obssessão de todo homem racionalista, é o maestro que conduz a música distorcida do mundo.

A necessidade de conhecer da humanidade, transforma em medo perverso a relação com tudo o que não se conhece ou não se nomeia. Assim, tudo deve ter um nome, um conceito, para que se submeta às garras da linguagem, todos os sentimentos diversos que perpassam pelo corpo do Homem. A necessidade de se conceituar está associada à necessidade de remissão da eterna culpa intrínseca ao homem.

Alphaville

Feito este desabafo, podemos mudar de assunto.

Alphaville é um filme que me desperta sensações esquisitas.

Filmado a quarenta anos atrás, me sinto assaltado por uma súbita imersão em um futuro o qual eu próprio não vivi. .

No decorrer do filme, sou conduzido a uma viagem por um futuro distante, onde as viagens galácticas são coisas cotidianas.

A sensação de distância é justamente aonde o filme me toca, pois numa análise mais atenta, percebo que o futuro que parece distante, guarda com esse meu presente(o qual estou vivendo), uma relação mórbida e misteriosa.

O futuro é inicialmente percebido pelo uso das palavras. Se ninguém houvesse dito que o filme é uma ficção futurista, eu chegaria a essa conclusão nos dizeres de Lemmy Caution, “...quando eu cheguei nos subúrbios de Alphaville”, ou ainda, “...me fazem lembrar dos antigos filmes de vampiro, daqueles que se passavam nos museus de Cinerama”, para citar alguns exemplos, de como o espião parece se referir a um tempo passado(o nosso, ou, o contemporâneo do lançamento do filme), ou talvez(e não posso me recordar das impressões que tive quando da primeira vez a que assisti esse filme), por sentir o distanciamento que há, aparentemente, quando ele diz tratar de um realidade que não seja a nossa(a música introdutória, a placa na entrada do planeta: “Segurança, Lógica, Silêncio, Prudência”, parecem não ter sentido quando aplicamos tais elementos aos dias atuais de quem assiste ao filme).

Assistindo ao filme sem áudio(todos deveriam ao menos uma vez na vida se dar o direito de assistir a um filme de que gostam sem o áudio), percebo que é difícil, pelo menos nos momentos iniciais do filme, entender que estamos no futuro. Contudo, algumas imagens me fornecem tais indicações. O metrô suspenso sob o céu escuro, a estação de energia elétrica, o carro antigo sob as ruas sombrias, a mim são muito reveladores. Guardam em si uma imagem sombria que tenho de futuro, cristalizada por filmes como Sin City e V de Vingança, cuja realidade é triste pela ausência de contato humano, pelo excesso de medo, pela destruição da natureza e por uma apatia persistente no ser humano.

Essas imagens são expressas pelo fato de serem cotidianos o uso de tranqüilizantes, a regularização da mulher em objeto a serviço dos homens, uma lógica criada a qual nada escapa, a banalização do suicídio, a ausência e incapacidade de quaisquer tipos de questionamento, que levam os seres a um niilismo estóico, onde é impossível mudar a realidade.

O filme diz sobre um outro planeta, Alphaville, mas a mim é impossível não traçar relações com um mundo onde as mulheres são usadas como artigo de marketing, a arte da cura transformada por médicos em receita de pílulas, os índices de suicídio em países ricos crescendo substancialmente.

Nos momentos em que, ao assistir ao filme, vem a minha mente as reminiscências desses arquétipos de Apocalipse, é que o filme toma um ar estranho, misterioso, agravados por alguns momentos.

Desde o início, sinto que algo de muito grave vai acontecer; a música e a luz piscando logo no primeiro plano, seguida da imagem dos homens derrubando o tanque e a pomba branca pronta para voar, me trazem à tona o mistério advindo das utopias coletivas de transformação da humanidade em um mundo mais correto e justo, o mundo da paz. As pessoas empurrando o tanque é a concretização do esforço coletivo de irmandade, que empurra a violência e a opressão para o abismo, dando espaço para que voe a pomba da paz.

Essa vertigem esperançosa se torna um devaneio quando saio desse lapso atemporal, interrompido pelas primeiras imagens que apresentam Alphaville.

A escuridão, o futuro tecnológico expresso pelo metrô suspenso, o cartaz com as ordens morais, a seta indicando o caminho a ser seguido, me transportam do mundo da utopia para essa crua realidade de ALphaville. Uma viagem fora do tempo causada por um corte de tesoura na montagem.

Alphaville funciona através de um computador, Alpha 60. Esta super-máquina é responsável por todo o funcionamento do planeta, “de guerras a controle de tráfego, supressão da criminalidade, movimento de pessoas e bens”. Tudo dentro de Alphaville tem um lógica que funciona de acordo com o planejamento de Alpha 60. “Alpha 60 estabelece seus próprios problemas”, e tudo o que foge a essa regra deve ser eliminado.

Nesse momento, fico estarrecido ao abrir os jornais e ler notícias sobre a bolsa de valores, e me perder em pensamentos de que o mundo do qual fazemos parte, funciona através de uma lógica criada, completamente virtual aos nossos sentidos, aonde as transações financeiras que controlam o mundo sequer existem em dinheiro-espécie.

A lógica, assim como os computadores, é uma criação humana.

Alpha 60 é uma espécie de HAL 9000, que ao invés de controlar uma nave, controla todo um planeta e a vida dos seus habitantes.

Ele, com sua lógica implacável, é o Anjo da História de Walter Benjamin, que olha para trás e enxerga a humanidade como uma catástrofe única1. Contudo na lógica do Anjo Alpha 60 – em suas próprias palavras -, “Os atos dos homens, carregados através dos séculos, vão destruí – los, logicamente”, é natural que a humanidade cesse seu progresso continuo, pois a conseqüência óbvia de sua catástrofe é a sua própria supressão.

Sinto calafrios quando Lemmy Caution e Henry Dickson conversam no hotel e Lemmy diz, a respeito de Alpha 60, “Entendo, as pessoas se tornaram escravas de probabilidades” e imagino que boa parte da atividade científica atinge como resultados de suas pesquisas científicas conclusões probabilísticas, e que essas conclusões influenciam nas políticas públicas que farão parte do nosso cotidiano.

Alpha 60 dá aulas sobre seu próprio funcionamento. Que credibilidade pode haver em uma lógica que ensina ela mesma os seus próprios preceitos? O fato é que suas aulas explicativas sobre si mesmo funcionam para os “alunos” como uma verdade empírica, um fato consumado, pois é advinda de preceitos lógicos, portanto não pode estar errado. É como uma religião, com a exceção do fato de que nesta a verdade e baseada na fé, e ali, é fundada sobre o empirismo.

O computador diz, “Tudo foi dito, contanto que as palavras não mudem seus

significados, e os significados as palavras”, ou seja, a lógica existe e funciona, desde

que os preceitos sobre os quais ela está fundada não se modifiquem, ou sejam modificados por eles mesmos.

Alpha 60 foi “levando a vida” através de conclusões extremamente mecânicas sobre as coisas, como por exemplo:

“Analisar o passado dos comuns leva à evidente conclusão de que eles não merecem a posição que ocupam no mundo. Portanto devem ser destruídos.”

Contudo, chega a ser extremamente revelador quando versa sobre a política no planeta “Terras Externas”, “Na essência do denominado mundo capitalista, ou do mundo comunista, está o fato de que não é uma volição má sujeitar seu povo pelo poder do doutrinamento ou pelo poder das finanças, mas simplesmente a ambição natural de todas as organizações ser planificar todas as suas ações”.

Junto a fala, a câmera mostra o “Ministério da Dissuasão – Polícia”.

Alpha 60 é o arquétipo de todos os computadores, a reminiscência primordial da lógica.

Lemmy Caution

Se Alpha 60 é a expressão da lógica, Lemmy Caution é o extremo oposto. Ele é temperamental e impaciente. Analisa todas as pessoas com desconfiança e a medida que as vai conhecendo.

Para ele, a lógica do planeta é incompreensível e parece achar todas as pessoas estúpidas e ignorantes. Em determinado momento ele diz, acerca de uma aula de Alpha 60 sobre si mesmo: “Eu parti, porque não conseguia entender uma palavra do que ele estava dizendo”. Quando Natasha vai lhe explicar algum tipo de pensamento que aprendeu, ele muda de assunto como se estivesse indiferente a uma filosofia barata.

Lemmy se vê imerso em mundo de idiotas, cuja capacidade de articulação e apreensão da realidade é limitada, e conforme circula pelos meandros de Alphaville percebe que nada pode fazer por aquelas pessoas, que estão condenadas em sua própria ignorância.

Correndo o risco de recair na loucura do ambiente, ele se foca no seu objetivo primário que é assassinar o professor Von Braum.

Quanto a sua impaciência, ele mesmo justifica, “O professor Jeckel me perguntou por que eu atirei no homem que entrou no banheiro, quando tudo não passava de um psico-teste. Eu respondi que sou velho demais para discutir, então eu atirei. É a minha única arma contra a fatalidade.” – para complementar, cito Benjamin: “...como é alto o preço que nossos hábitos mentais tem que pagar quando nos associamos a uma concepção da história que recusa toda a cumplicidade com aquela à qual continuam aderindo esses políticos complacentes ao fascismo”2.

Conforme vão lhe mostrando o funcionamento do planeta, ele fica cada vez mais impaciente, e cada vez mais achando que todos são idiotas, desacreditando que as pessoas estão vivendo e acreditando naquela realidade.

A Palavra

Alphaville pode ser um filme sobre a Palavra.

É através dela que apreendemos o futurismo do filme, é através dela que reconhecemos os personagens(podemos diferencia – los entre os que dizem por que e os que não conseguem pronunciar a expressão), é por ela que Alpha 60 controla os habitantes e os transforma em imbecis, pois é ele quem escolhe quais palavras estarão contidas na Bíblia(que na verdade é um dicionário) e é por ela que ele expressa e explica o seu funcionamento(não é curioso o fato de ele fazer isso dentro do Instituto de Semântica Geral?).

A Palavra é também o meio pelo qual Lemmy atinge a ternura necessária para destruir Alpha 60.

É por conhecer a palavra consciência e por conseguir expressar através da Palavra seu amor a Lemmy que Natasha consegue salvar a si mesma.

Godard

Segundo Benjamin, alguém na história esteve a nossa espera3. Temos uma força messiânica para a qual o passado dirige um apelo.

Lemmy Caution é um homem do passado, que visita o futuro em prol de uma redenção desse passado, conseguida através da destruição de Alphaville. Mas teoricamente, a força messiânica está na esperança que o passado deposita em nós, contudo a salvação nesse caso vem do passado.

Me intriga muito nesse filme o fato de que Godard faz uma projeção de um futuro que seria inaceitável e perceber elementos desse futuro na realidade à qual estou inserido.

Questiono a força messiânica do meu presente, no qual deveria haver a redenção, e perceber assistindo ao filme que estamos sucumbindo à crueza da realidade à qual os homens do passado tanto temiam.

Me pergunto o que fazemos do presente, e o que podemos esperar do futuro, já que o nosso ideal de felicidade “é totalmente marcado pela época em que nos foi atribuída pelo curso de nossa existência”4.


Conclusões

Assistir a um filmes repetidas vezes e adentrar aos meandros da sua narrativa nos ausenta da magia de nos impressionar sem conhecer, e parece retirar do filme as forças desconhecidas que nos atingem e que modificam a nossa impressão da realidade.

Quero fica um bom tempo sem ver Alphaville.