quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ingerir substâncias psicoativas como Argyreia nervosa, ayahuasca ou jurema preta, é adentrar no mito do labirinto.
Quando você entra, as portas se fecham, você se vê perdido e a única saída é a luz que há no fim do túnel.
No caso, o túnel somos nós.
E que túnel escuro é os aspectos longínquos da nossa mente.
Fazer uma viagem nas profundezas da mente é perigoso.
Demanda coragem e desapego.
É como o alpinista que se arrisca no gelo, sem saber se terá ar suficiente para ir até o cume da montanha e voltar.
Ou quem se aventura a nadar no mar e passar a arrebentação das ondas para se entregar à imensidão do oceano, para depois retornar à segurança da terra, da areia.
Quem sabe ainda, sobre aquele que imerge numa gruta escura?
Perdido nos confins da Terra, o camarada viaja nos confins de si mesmo.
O fato é que o vazio e a escuridão total são as metáforas do espelho, do cristal.
Mergulhadas na escuridão, as pessoas humanas deparam-se consigo mesmas.
Nessas entidades potencialmente míticas, não existe mal em si; elas apenas se projetam como possibilidades do quê um ser vê em si mesmo.
O mesmo ocorre quando, num golpe de sorte da Vida, deparamo-nos com uma criança pura.
Subir montanhas, lançar-se ao mar, imergir em uma gruta, ou fixar os olhos de uma criança cristalina é reproduzir na ação o que se pode alcançar ingerindo uma substância daquelas.
(como o astronauta no espaço, o grupo que se embrenha na mata para fazer uma trilha distante)
Apesar de parecer muito mais seguro, por não colocar o corpo em risco, essas plantas sagradas nos mostram a verdade tal como ela se apresenta naquele momento, sem muitos códigos ou sinais; contudo, exige preparo e desapego, pois o corpo pode não estar, mas o ego com certeza sim, está em perigo.
Para uma mente muito racional, baseada em artifícios filosóficos e morais muito definidos, adentrar na sua escuridão pode ser nocivo e enlouquecedor, se essa mente não se dispuser a desacreditar de tais verdades.
Esse mito não se cansa de ser reproduzido na literatura e no cinema.
Cito dois exemplos cinematográficos.
Em Guerra nas Estrelas: O Império Contra-ataca, mestre Yoda sugere que Luke entre numa floresta escura, e diz que é inútil levar seu sabre de luz.
Lá, Luke encontra seu maior medo: Darth Vader, e óbvio, no momento ele não estava preparado para enfrentá-lo.
Ou, por exemplo, em Senhor dos Anéis, Gandalf é sugado para escuridão pelo chicote do Balrog, um demônio das profundezas da Terra.
Gandalf tinha medo de ir na passagem das Minas Tirith, pois lá, nas profundezas, no fim da terra ele sabia, intuitivamente que se depararia com seu maior medo.
O medo primário do ser humano é a morte, não necessariamente do corpo, mas de valores, de conceitos, de situações da vida.
Ao adentrar no túnel, nunca sairemos igual, morreremos certamente.
Mas o ciclo pressupõe que à qualquer vida segue-se a morte, e à qualquer morte, segue-se outra vida, sempre mais pura, cristalina.
Depois de passar pelas profundezas da terra, e enfrentar seus medos mais profundos, é que Gandalf renasce
branco, puro.
É o arquétipo do aventureiro que fala aqui, o do navegador português, cantado e mitificado por Fernando Pessoa e Luís de Camões, que saía ao mar, deixando tudo que tinha de seguro para trás em busca do desconhecido. O nosso espírito, fim último da mente, é o nosso desconhecido, o alto-mar, o espaço.
A aventura tem sempre como destino, o Fim.
Esse mito foi vivido e reproduzido na construção do imaginário americano.
O velho oeste era o fim, o distante, o lugar do perigo, aonde se morre e também aonde se renasce, aonde há oportunidades de vida nova.
O mito do fim da linha do trem, o meter o pé na estrada. Partir; o ato de partir.
Quando se parte nunca se volta, não como se era antes.
Indo para lugares distantes, fugindo do conforto do lar, abre-se a oportunidade de viver experiências que nosos Eu da cidade natal não viveria.
Estamos expostos a decepções, medos, Cidade grande, cidade pequena,
Ilusões perdidas.
Há um quadro de Kasimir Malevitch muito profundo.
É "O quadrado negro, o quadrado branco".
Consiste basicamente em dois quadrados, um negro, e outro, envolvendo o Um, branco.
O branco envolto ao preto faz o olhar ser focado totalmente no preto. O preto nos puxa, suga, convida.
Mergulhar nesse quadro, no negro, no escuro, é um mergulho em si mesmo.

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